Inscrições Abertas em caráter de lista de interesse.

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Inscrições abertas (clique na imagem) em caráter de lista de interesse. Previsão de início: abril de 2014.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Fiar a escrita na Universidade Federal de Santa Maria

·         Fiar a escrita: exercícios e experimentações para um escrever ciência
31 de julho 2014 no 

Parte-se da afirmação de que não há pesquisa sem registro escrito e que fazer ciência é também escrever. A oficina procura colocar as artes manuais e literárias a serviço da escrita acadêmica em todos os níveis, da graduação ao pós-doutoramento. Proposta de exercícios e experimentações que inventam e oxigenam os modos de escrever ciência, não só, mas especialmente, a escrita das ciências que enfocam processos vivos, sejam humanos ou naturais. A experiência quer favorecer a redação de artigos e TCCs, dissertações, teses e demais gêneros da escrita acadêmica, pensados como acompanhamento de processos, em pesquisas qualitativas e quantitativas. Parte-se da cartografia, metodologia investigativa sistematizada por Kastrup (2009), com base no pensamento de Deleuze e Guattari (2010). 
 As práticas da oficina promovem atividades artífices de escritura no contato com as manualidades e seus fazeres. A metodologia empregada pretende acentuar o carácter vivencial da experiência de escrever, considerando seus modos de subjetivação, na perspectiva de Rolnik (2007). A prática metodológica aciona o corpo e o implica nos exercícios de escrita, tornando-se importante instrumento para a percepção e o registro dos processos de pesquisa. Assim, possibilita-se ao participante fazer do escrever um aliado na investigação, dando expressão à processualidade da pesquisa.

Espaço teia urdidura leve sem dor. Um modo de existir. Produção de vida.
(Textos dos participantes, em redação)


No espaço público da Universidade Federal de Santa Maria, os fios se estendem pelos corredores. Galhos, pedras, lãs escritos.
  
 Um texto se tece entre corpos que se desviam, se abaixam. Não podem mais andar como antes. Incômodo. 
 A escrita colocada em questão. A leitura colocada em questão.
 É possível legitimar os sentidos na educação?
 Assim, entre uma decisão e outra, estamos levando nossas vidas. Sem saber se queremos adiantar o relógio para alcançar os nossos objetivos, os nossos desejos e sonhos, que nos fazem ter a sensação de que estamos atrasados para chegar a algum lugar. Mas, também, vem o desejo que o tempo não passe, que ele passe devagar, para que assim a nossa vida se prolongue, para que a velhice não chegue cedo. E assim, ficamos no portal. Nem dentro nem fora. Sempre entre.
 Muito se falou do frio, hoje encontro calor, sol dia claro que ontem se encontrava fechado, nublado. Não amanhecia como de costume. Depois de paisagens campestres e casinhas de bonecas pelo caminho...
 O processo de elaboração da tese se oferece ou exige dedicação exclusiva e uma vontade de isolar-se de tudo e todos. O cotidiano porém, nos interrompe o devaneio e pequenas coisas, como preparar um jantar se torna algo trabalhoso e pouco prazeroso. 
 Meu corpo que move-se pesado, um tanto por causa da idade um tanto por causa da sensação da fome, questiona o instante futuro. Reconheço que o processo de conhecer se dá ali, na limitação do espaço da cozinha, entre o forno e o fogão. 
 E uma chuva de emoções brotam, como emoções e memórias da minha infância.
 Recordo minha mãe preparando uma fornada de pão e uma mesa farta para o café.
 "Mas agora parece-me que, mais importante do que estudar, descobrir seja o que for através da leitura, é seguir a revelação das mãos que manipulam, agindo na matéria. Eu sou também matéria" (Maria Gabriela Lhansol).
 Matéria que sofre, que sente, matéria que observa e é observada. E ao me perceber matéria, vejo que sou a construção de muitos "eus"... O que lê, o que vê, o que ouve. Todos eles, às vezes, tensionados por ter que estudar. Na verdade, meu "eu" mais forte que apenas aprender, vivenciar, sentir através do que lê. Se fizer sentido, tudo bem, se não, tudo bem ainda.
 "É a primeira vez que falo tão claramente de coisas concretas. Mas todo este clima intrincado me impede de escrever e, vendo Virginia Woolf, o seu destino, compreendo como é necessário viver e escrever, e não viver sozinha com a escrita. Viver sozinha com a escrita seria uma aventura temerária. Não desejarei preparar nenhuma espécie de decadência, nem a do desprezo do corpo, nem a de qualquer forma de actividade / de desprezo, pois que estou multiplamente viva.

Eu desejo viver com a minha dignidade de quem sou, esperando o presente, e vivendo no futuro" (Maria Gabriela Lhansol).

Este trecho me remete à poesia de Fernando Pessoa: "Navegar é preciso, viver não é preciso". A qual eu remeto: Escrever é preciso, viver não é preciso.
 Quando escrevemos, lemos, interagimos com o meio em que esta leitura se encontra, passamos a experenciar nossas vivências. Sendo que estas devem estar vinculadas com nossa fala e escrita.  O mundo vive em uma grande hipocresia onde não dialogamos mais com nós mesmos, muito menos com os nossos pares. 
 A escrita nos leva a um mundo mágico onde o ser passa a manifestar suas apreensões e significações, nos não é somente através do campo das ideias que nos manifestamos, o corpo é uma forma de manifestação.
O sentimento expresso pelo corpo, o diálogo com o autor e as manifestações externas, influenciam o meio e a forma com que vivenciamos a leitura, ou melhor, como ela nos vivencia.

Fiar a escrita na Universidade Federal de Juiz de Fora

Rede Sol
(Texto coletivo dos participantes, aberto à redação)



E começam as oficinas ou algo que assim é chamado. Rede sol: uma jovem índia que precisa se casar tece. Um manto é tecido.
Um grupo vai sendo tecido. Grupo de estudos sendo tecido oficinas.
Uns seguram um fio de pano que é segurado por mãos que seguram que é segurado. Da ponta, dada à mão, começa um fazer: por cima, por baixo, entre dois.
Por cima, por baixo, por cima, por baixo uma história de uma jovem índia que precisava se casar e uma história de um manto tecido em tecimento de teia que veste um corpo para as provas e lutas.
Junto às mãos que seguram, às mãos que tecem, mãos que escrevem tecem textos palavras, textos desenhos.
Teia tece modos de fazer, tece histórias da vida, de apresentações, de si, de escolas. Tece textos ditos. Música tece teia.
Nós amarram e tornam possível que a teia continue sendo tecida, que o sol irradie mais além.
Menina amarra professora, professora amarra saberes, professora esquece de amarrar. Menino se encanta, brilho no olho, fazer com as mãos, amarra avô que faz com que criança e brinquedo, brinquedo e criança, criançabrinquedo deixem um tempo de se encantarem. Roça tecida por mãos de marcenaria que tece na madeira carro de boi. Menina faz e fala e faz enquanto fala e fala enquanto faz e amarra professoras em suas teias. Teia sol amarra braços, mãos, pernas, joelhos, calcanhares, lordoses, idades. Fazer com as mãos, com abaixamentos, com levantamentos, com mortos, com vivos, com bocas, com tecidos, com. É como se o coração saísse do peito e se pusesse na sola do pé. Nessa amarração, amarra o invisível. Cama de gato roda com sol roda com ciranda roda com criancices. Teia de aranha que estranha a língua que inventa outra língua que chama pelo nome outra língua. Aranha amarra professora na teia e teia na professora.
Sol no alto, teia no teto.


A teia é o objeto da aranha.  A aranha tece sua teia a partir da produção de fios de seda pelas diversas glândulas (existem 7 tipos, que nunca ocorrem na mesma aranha), localizadas no abdome do animal. Ela começa a tecer com um fio horizontal, que vai sendo eliminado ao mesmo tempo em que vai sendo transportado pelas correntes de ar. Quando a extremidade livre encontra uma superfície, a aranha estica o fio e o prende numa extremidade oposta. A partir da metade desse fio ou de outro, que ela tece paralelamente, a aranha desce numa linha reta, esticando-o e tecendo outro fio, na vertical. Forma-se então uma estrutura que lembra a letra Y. A seguir, a aranha pode acrescentar novos raios, sempre do centro para a periferia. Depois, ela começa a construir uma espiral provisória do centro para a periferia no sentido horário. Depois, da periferia para o centro e no sentido anti-horário, a aranha começa a tecer a espiral definitiva, denominada de espiral de captura. Enquanto tece esta última, ela desfaz a espiral provisória; ou então ela pode tecer a definitiva entre as voltas da provisória e no final desmanchar esta. Finalmente ela constrói um refúgio no centro da "renda", onde fica abrigada à espera de sua presa. Não aprendemos com a teia. Não aprendemos com o objeto. Aprendemos em movimento aranha. Tomemos cuidado para não ficarmos presos nas teias. Tomemos cuidado para não nos prendermos por muito tempo às  teias. Tomemos cuidado para não ficar muito tempo admirando a teia enquanto a aranha arranha jarro. Tomemos cuidado para não ficarmos no objeto, quando é o movimento que produz, mesmo que o movimento esteja no objeto. Tomemos cuidado para não fixar na teia, porque a aranha é rápida e faminta. Ela está atenta ao movimento da teia e o bote pode ser certeiro, o veneno pode causar desde dores fortes, priapismo, necrose de tecido ou até morte do organismo. Como o espaço entre os fios depende do tamanho de suas pernas, o tamanho total da teia de captura é proporcional ao tamanho da aranha. A espiral de captura, ou mesmo toda a teia, pode ser substituída toda noite, ou dentro de poucos dias, o que ocorre quando a teia perde a sua elasticidade, ou quando o vento ou um inseto qualquer a destrói ao ser capturado ou ao se libertar. Atenção de aranha. Não presos na teia. A professora na teia. A professora que pensava ter que aprender para ensinar. Pega nas teias das casas abandonadas e miticamente assombradas do aprender-ensinar ou no entre os móveis de quinquilharia do ensino-aprendizagem. A professora que aprendeu aprender para ensinar. A professora que precisava aprender um objeto para ensinar. Ao chegar em sala de aula, a professora, depois de ter aprendido para ensinar, tenta ensinar, acha que ensina, se perde. A professora tenta ensinar como acha que aprendeu. A professora ensina a fazer o objeto como aprendeu. Se o aluno faz como a professora tentou ensinar, vualá, bote certeiro da viúva negra, que mata seu amante ao sugar todos os líquidos, fluidos e fluxos de vida para ovulação. Depois, morte do amante. Os alunos não aprendem a fazer o objeto da aula. Aula tem objeto? O aluno não faz como a professora tentou ensinar. O aluno não sabe fazer como professora. O aluno faz como aluno, aprendendo. A professora faz como professora, ensinando. O aluno não faz do mesmo jeito da professora o objeto da aula. Mas talvez o objeto da professora e o objeto do aluno não sejam tão diferentes: aprendizagem. Já os objetivos, viiixxiiii... O objetivo da professora não é alcançado. Mas o aluno ao não aprender o que professora tentava ensinar, faz outra coisa. Outro objeto? Não. Pegando alguma coisa entre o que a professora pensava ensinar, o aluno aprende a fazer outra coisa, no mesmo objeto que professora pensava ensinar. O aluno faz outra coisa com o que a professora pensava fazer uma única coisa. O aluno traça linhas entre as linhas da professora. Emaranhado de linhas. Professora amarrada? Talvez. Mas a fuga é sempre possível ou é sempre preciso. Há tantos fios na meada. Professora emaranhada na teia dos possíveis. Aluno emaranhado na teia dos possíveis. Outras relações possíveis. O aluno aprende ao aprender outras coisas, ignorando que é preciso aprender para ensinar. O aluno ensina ao aprender. A professora que pensava aprender para ensinar aprende ao ver o aluno aprendendo. A professora que pensava precisar aprender para ensinar aprende que é possível aprender aprendendo. Aprende a fazer outros possíveis entre as linhas que tentava prender para ensinar. Ensina aquilo que nem sabia fazer. Porque não é o objeto que o aluno apreende, mas aprende no movimento produzido com o objeto. Movimento que inventa objeto no emaranhado de linhas. Objeto que se inventa em movimentos para inventar outro objeto. Mas talvez aula nem tenha objeto, aula tem movimento, movimento de linhas, de emaranhado de linhas que ora amarra, ora embaraça, ora escapa, escorre e corre pela sala na alegria do movimento de aprender. Nem precisa ensinar. Professora em movimento aluno. Professora em devir aluno. Aluno em devir aluno. Professora e aluno aprendendo enquanto aprendem. Emaranhado de aprendizagens.


A aranha tece sua teia a partir da produção de fios de seda pelas diversas glândulas (existem 7 tipos, que nunca ocorrem na mesma aranha), localizadas no abdome do animal. Ela começa a tecer com um fio horizontal, que vai sendo eliminado ao mesmo tempo em que vai sendo transportado pelas correntes de ar. Quando a extremidade livre encontra uma superfície, a aranha estica o fio e o prende numa extremidade oposta. A partir da metade desse fio ou de outro, que ela tece paralelamente, a aranha desce numa linha reta, esticando-o e tecendo outro fio, na vertical. Forma-se então uma estrutura que lembra a letra Y. A seguir, a aranha pode acrescentar novos raios, sempre do centro para a periferia. Depois, ela começa a construir uma espiral provisória do centro para a periferia no sentido horário. Depois, da periferia para o centro e no sentido anti-horário, a aranha começa a tecer a espiral definitiva, denominada de espiral de captura. Enquanto tece esta última, ela desfaz a espiral provisória; ou então ela pode tecer a definitiva entre as voltas da provisória e no final desmanchar esta. Finalmente ela constrói um refúgio no centro da "renda", onde fica abrigada à espera de sua presa. Como o espaço entre os fios depende do tamanho de suas pernas, o tamanho total da teia de captura é proporcional ao tamanho da aranha. A espiral de captura, ou mesmo toda a teia, pode ser substituída toda noite, ou dentro de poucos dias, o que ocorre quando a teia perde a sua elasticidade, ou quando o vento ou um inseto voador a destrói.


Eu-aranha tecida com fios, tece e refugia-se no centro da teia. Nas bordas e nas espirais escapam-lhe vidas. Olhos famintos e à espreita atentam-se a tudo. Quer repousar em tua presa todo seu apetite. Quer sugar-lhe a energia. Então, espia, lá do centro, a todos os movimentos do entre. A presa, distraidamente, percorre pelos fios tecidos, como num manto de acolhimento. Desconhece o risco daquele território. Na verdade, aprecia a beleza da tecitura. Um a espreita, na expectativa do bote. Outro, destraído em meio ao encantamento. Um fará do outro o alimento. Outro saciará fome do um. Feito alimento, perdida a vida. Morte instalada, vida sugada.



...Vida sugada, vida revirada, vida ressignificada, mas sempre vida viva. Vida movimento, vida que se faz e se refaz no fluxo... Desdobrando as dobras desse texto e tentando continuar a tecer a travessia por caminhos diversos e  de diversos encontros. Encontro Travessia, marcado por desdobramentos inesperados. Compreendendo que  “A dobra exprime tanto um território subjetivo quanto o processo de produção desse território, ou seja, ela exprime o próprio caráter coextensivo do dentro e do fora. A dobra constitui assim tanto subjetividade, enquanto território existencial, quanto a subjetivação, entendida aqui como o processo pelo qual se produzem determinados territórios existenciais em uma formação histórica específica” como nos diz Rosana N. da Silva, em seu texto : A dobra deleuziana: políticas de subjetivação. … Na dobra ou desdobra dessa teia, no dentro e no fora da produção do texto está o ser em formação, emaranhado em teias que se constituem no movimento da vida vivida. Dentro  da dobra, da teia, o processo de formação de professores e todas as questões que perpassam  essa formação.  Como por exemplo, como professores se formam enquanto formam seus alunos? Dentro, os métodos e processos de ensinar e de aprender…. dentro os mesmos caminhos, dentro as mesmas rotas de ensinar e de aprender…dentro a didática a metodologia, o conteúdo. Fora a formação da subjetividade do sujeito em constante formação ética ,estética e política.  Fora a dobra da teia, questões levantadas de como formar-se  professor. Fora, essa formação de subjetividade que pode ser compreendida como uma formação existencial, singular e que é constituída de relações tecidas no campo da coletividade, mas que aí não pode ser fixada pois que é devir, é tornar-se  imprevisibilidade. É estar em condições de emergir de si mesmo porque é potência.  

Tornar-se professor no movimento da vida vivida. Vida em força e fluxo, que tece teias de significados, pontentes de saberes outros, que estão fora, que vazam, que perpassam de dentro pra fora, o sistema organizado, o currículo dado e certificado, os resultados das avaliações, a escola como a conhecemos, para constituir rearranjos outros no processo de formar-se professor, no processo de ensinar e no processo de aprender. E que como a teia, sempre apresentará formas diversificadas, porque é vida, porque é fluxo,... é movimento,... é dobra.  Na tecitura da Teia, a composição de novos desenhos nos fios, revelam múltiplas possibilidades de estruturar a teia, assim como a formação da subjetividade do professor revelam as múltiplas possibilidades de formar-se professor, principalmente, a partir desses encontros e travessias experienciados no Travessia. Encontros e travessias que por sua natureza, suas invenções, produzem diversas e diferentes afetações a partir dos encontros compartilhado, das teias tecidas tanto coletivamente, quanto enquanto sujeito, indivíduo, uno.  E algumas vezes surgem outras perguntas, outros fluxos que envolve e move o processo de formação.



Fiar a escrita na Universidade Nova de Lisboa

Fiar aescrita: exercícios e experimentações para um escrever ciência

Organização: IELT – Instituto de Estudos de Literatura Tradicional e Travessia Grupo de Pesquisa - UFJF
Local: FCSH-UNL

Data: 26 de Fevereiro de 1014

Uma roda de estudantes, professores, investigadores e artistas e entre eles lãs, novelos, rocas, tecidos, agulhas, teares, fios e uma pergunta por onde pegar: como fazer ciência viva e criativa?


O desafio partiu de Ana Veiga, investigadora brasileira: se concordamos que a Academia formatou demasiado os seus textos e processos e que é necessário devolver à escrita científica uma ligação à emoção, ao corpo, ao material, porque não criamos um espaço de experimentação que ajude a oxigenar a produção científica? Concordamos. No IELT estudamos as literaturas de tradição oral, os saberes e fazeres da cultura popular, a ligação entre tradição e modernidade, matérias tradicionalmente marginalizadas pela Academia e que tanto nos têm ensinado sobre a importância do sensorial e do corporal na aquisição do saber.
E assim nasceu a oficina “Fiar a escrita: exercícios e experimentações para um escrever ciência”. Objectivo: colocar as artes manuais e literárias ao serviço da escrita académica. Metodologia: aliar os ensinamentos da escrita criativa e da narração oral a uma prática artífice e sensorial da escrita, promovida no contacto com as manualidades e com as histórias contadas e explorada num “esquizodrama de fiação”.

Na sala preparada, minutos antes de começar o encontro, Nina Veiga, a investigadora que desafiou o IELT a organizar esta oficina
Claro que ninguém sabia exactamente ao que vinha, nem sequer os animadores da sessão: o escritor e professor Rui Zink, as artista-artesãs Diana Regal, Guida Fonseca e Inês Carrelhas, o historiador de cultura e educação Jorge Ramos do Ó, a psicóloga, contadora de histórias e investigadora do IELT Cláudia Fonseca, e Sônia Clareto, coordenadora do projecto “Travessia Grupo de Pesquisa”, do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil) que acolhe a pesquisa de doutoramento de Ana Veiga. Mas isso não impediu que as 20 vagas disponíveis fossem rapidamente preenchidas por um grupo de proveniências tão diversas quanto nós gostaríamos: várias alunas do mestrado em Educação Artística na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, uma doutoranda em Educação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, uma doutoranda em História da Arte na FCSH/NOVA; alunos de Sociologia, Estudos Portugueses e Edição de Texto na FCSH/NOVA, uma educadora social, uma artista plástica, investigadores e professores de Psicologia, História, Tradução, Linguística, pedagogia Waldorf.
Nina Veiga iniciando um dos participantes na arte do tricot
Pouco passava das 9h quando Nina Veiga deu por aberta a sessão e convidou os participantes a meter as mãos nos fios espalhados pelo chão. Mais tarde há-de contar a alegria que teve de ver toda a gente de fio na mão, e de lhe virem dizer o tanto que o tricotar, o fiar e desfiar ajudaram à concentração na conversa que se foi tecendo.
Jorge Ramos do Ó teceu reflexões sobre o seminário de leitura que coordena no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Ao contrário da tradição escolástica, que pressupõe a adesão a uma escola de pensamento, cada qual com um meta-discurso sobre o seu próprio discurso, numa relação vertical professor-aluno, no seminário coordenado pelo historiador de cultura e educação a leitura é feita em conjunto, numa dinâmica de leitura-escrita, sendo o leitor alguém que escuta o potencial do texto mais do que emite juízos judiciais sobre ele.

Jorge Ramos do Ó e a leitura como escuta do potencial dos textos
Rui Zink foi prodigioso nas dicas para tecer um texto até ao fim. Comece-se pela “lista de compras”: sabendo-se ao que se vem tudo será mais fácil, até porque todos conhecemos as figuras de estilo, mesmo quando lhes desconhecemos o nome. Procurar a leveza, qualidade literária sublinhada por Italo Calvino, e nunca tentar ser imaginativo - a imaginação nunca vem quando a convocamos. Fundamentalmente, esquecer os mitos sobre a escrita, como o mito do génio por exemplo. "Salieri é que deveria ser o nosso herói, e não Mozart, porque a Mozart bastava-lhe ser um génio e Salieri tinha de trabalhar todos os dias. É preciso escrever todos os dias sem grande esperança, como dizia Karen Blixen. Escutar o corpo e encontrar em cada dia a técnica que serve melhor para resolver os problemas desse dia". E depois reescrever. O processo de revisão no trabalho criativo, resume-se na seguinte fórmula (tradução do mandarim): "quando escrevo a minha mente segue a minha caneta, quando reescrevo é a minha caneta que segue a minha mente."
Desmistificações e alguns truques para escrever melhor, por Rui Zink
Coordenadora do "Travessia Grupo de Pesquisa”, Sónia Clareto defendeu uma ciência que se opõe aos modelos de verdade e se assume como ficção (não oposta à realidade), uma ciência que responde ao "como funciona" mais do que a "o que significa". A invenção narrativa devolve à ciência a vida com a sua variação e multiplicidade.
A propósito de narração e de escrita, Cláudia Beatriz Carvalho Fonseca contou o caso de uma paciente que resolveu a vida no dia em foi capaz de resolver a escrita. "Porque a capacidade de organizar a própria história, a própria narrativa, é um sinal de saúde mental", ou, como diz Lídia Jorge, "quem sabe contar tem de saber ser". E depois contou a história da tia Nevinha, que fica para um dia em que possam ir escutá-la ao vivo, e que serviu para ilustrar como a escrita passa por um olhar para dentro. Cláudia Fonseca falou ainda das semelhanças entre os contos e os sonhos e a esse propósito contou uma história sobre sentidos e sabedoria.

Sônia Clareto e o regresso à Gaia Ciência 
Sônia Clareto pegou na ideia do corpo sensível - o da lavadeira da história de Cláudia -, que conhecia os tecidos como ninguém, para regressar à necessidade de ultrapassar a velha dicotomia que desde Sócrates e Platão opõe razão a sentimento, alma a corpo. Como nos ensinou Friedrich Nietzsche em A Gaia Ciência (1882), a cabeça só pensa dentro de um corpo.
Sônia Clareto defende com Guimarães Rosa que o real não se revela no princípio nem na chegada mas no meio da travessia
A artista e artesã Diana Regal falou-nos de técnicas de tecelagem e das relações dos tecidos com os textos, que partilham com os romances uma teia e uma trama, e depois construiu um tear humano. O tecido que assim se teceu precisou, como uma tese, de uma estrutura - o Estado da Arte dos textos sobre cada tema. Sobre ela se pôde depois "tecer ao coração" ou a "tecer ao sentimento", que é como as fiadeiras chamam ao trabalho criativo, ornamental - texto novo, autoral.
Tecer a 40 mãos e ter a noção individual do conjunto da obra. 'Linhas com que me coso / linhas com que me ouço/ linhas com que me ouso' são versos de um poema maior de Regina Guimarães que Diana Regal partilhou com a (pla)teia.

Guida Fonseca falou da ancestralidade que os fios transportam em si e do movimento encantatório da roda de fiação: "eu também estou a escrever com as cores e as texturas, e estou a olhar para dentro e a pôr ordem no caos, a religar as coisas". Inês Carrelhas é uma desfiadora, desfaz os fios para lhes dar a forma e textura mais adequadas aos tecidos que passa a vida a tecer.




Divididos em grupos, os participantes entregaram-se finalmente ao "esquizodrama de fiação" com missão semelhante à que Ana Veiga definiu para a sua própria investigação: "dar língua às vivências da pesquisa que deslocam o pensar dos sentidos fixados para novos sentidos". A solução foi construir objectos híbridos textil/texto, depois apresentados na roda de partilha.
Guida Fonseca (ao centro) e Inês Carrelhas (à direita), profissionais da tecelagem e tapeçaria contemporânea

Antes do remate musical de Cláudia Fonseca e Rini Luyks, com valsas dançadas e canções sertanejas, alguém sintetizou a impressão geral dos participantes: “Ainda não percebi tudo o que aconteceu hoje, mas sei que a escrita da tese se tornou menos assustadora e mais divertida”. Fica talvez assim expressa a promessa de uma ciência mais feliz.

Cláudia Fonseca e Rini Luyks encerraram o convívio com O drama de Angélica – poema em verso esdrúxulo - e Romance de uma caveira, da dupla Alvarenga e Ranchinho